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10 de abril de 2015

Untitled

Quando nos demos conta, já estávamos lá.

Pela primeira vez, muitos de nós, estudantes de graduação, nos levantávamos das cadeiras e invertíamos os papéis com nossos mestres. Era nossa vez de mostrar o que sabíamos – ou o que havíamos fervorosamente estudado para nos sentirmos capazes de transmitir esse conhecimento.

O desafio era grande: assumir aulas, como professores, numa turma de um cursinho preparatório para o vestibular. A recompensa, naquele momento, ainda era uma incógnita. Mesmo assim, sentíamos que aquela seria uma aventura interessante. 

E assim, foi.

Quando nos deparamos com uma sala lotada de alunos que estavam lá por vontade própria (assim como nós), não houve como não tremer nas bases. Tínhamos nos dado conta do tamanho de nossa responsabilidade: qualquer palavra dita errada naquele momento influenciaria negativamente dezenas de cabeças que confiavam em nós para obter o conhecimento necessário para ingressarem em uma universidade.

Mas a verdade mesmo é que qualquer palavra dita errada naquele momento influenciaria negativamente uma infinidade de sonhos.

E com o sonho alheio não se brinca: nenhum ser humano é capaz de mensurar o tamanho do sonho de outro – e justamente por isso, nenhum ser humano tem direito de menosprezá-lo. E aqueles sonhos diante de nós confiavam que não faríamos isso. 

As “aulas” se iniciaram e nos encontramos perplexos com a constatação de que não só aquilo que conhecíamos sobre as disciplinas era suficiente para transmitir de forma eficiente àquelas pessoas nosso conhecimento; nosso espanto maior, no entanto, era de que nossa situação acadêmica não havia mudado nem um pouco.

Estar à frente da sala de aula não nos tornou professores da noite pro dia. Estar à frente da sala de aula nos tornou mais alunos do que nunca. Nos fez perceber que, no fim das contas, a coisa que menos era ensinada por lá era a parte técnica que os prepararia para o exame vestibular – e quem mais aprendia, na verdade, eramos nós. 

Aprendemos que um ambiente preparado para ser de ensino, quando há cumplicidade e confiança, se torna um ambiente de amizade. E acima de tudo, aprendemos que títulos de professores jamais significarão nada – em absolutamente nenhum aspecto – se nos lembrarmos que aquilo que ocorria, antes de ser uma aula, possuía uma força que extrapola este rótulo seco. Afinal de contas, quando nos deparamos com a definição da palavra “aula”, entendemos que é a transmissão unilateral de um conteúdo de alguém mais preparado que seu aluno. E eu me recuso a definir aqueles momentos como este tipo de aula. O que havia ali era um aprendizado mútuo (e até desbalanceado), em que os ditos professores estão lá aprendendo coisas mais importantes que seus ditos alunos – tendo lições sobre a vida, muito mais importante que um vestibular.

Assim pudemos afimar com segurança àqueles sonhos que estavam diante de nós: “podem confiar em nós. Aquilo que viemos fazer será tranquilamente passado a vocês como o planejado, e com a dedicação de todos, vocês serão capazes de atingir seus objetivos.”

Enquanto isso em nosso íntimo, pedíamos: “por favor, não deixem de nos ensinar que o mais importante, de fato, não é o que estamos falando aqui na frente para vocês.”

Muito obrigado por me ensinarem que jamais quero ser um professor, e sim apenas mais um aluno de meus alunos.


14 de agosto de 2014

Make it b(l)ack

Posso dizer que a experiência, até então, me ensinou duas grandes coisas sobre a vida. A primeira é que ninguém está absolutamente sozinho no mundo. Pode até pensar que está – mas até o pior amado dos indivíduos que conheci tinha pelo menos uma pessoa que prezava sua existência e seu bem estar. A segunda é que, justamente por isso, olha só, sempre que a morte vem (e vem pra valer mesmo) pelo menos essa pessoa que se importa vai senti-la.

O ano de 2014 tem sido marcado pela morte de uma série de personalidades por aí. Ainda que a morte de uma personalidade não seja mais importante que a de qualquer outra pessoa, ela causa mais espanto. As pessoas entram num surto de percepção, um assombro, e do alto de suas cadeiras acolchoadas acabam por, às vezes, não serem tão hábeis a ponto de segurar o que vem se destilando em suas secretas mentes e decidem se manifestar em suas famigeradas redes sociais.

Dois resultados podem ser esperados: ou há uma manifestação de pesar pela morte do (com o perdão da redundância) de cujus, ou há a tentativa de amenizar a tragédia com uma piada – na maioria das vezes, infame.

Pobres são os que acreditam que da morte piadas são bem vindas. Se a morte de alguém causa sofrimento a uma pessoa – que seja e só – neste mundo, já não é digna de ser tratada com deboche por nenhum ser humano que caminha sobre esta Terra. Vou além: nada, absolutamente nada, que cause qualquer tipo de sofrimento, deve ser passível de piadas. De sofrimento não se ri. Sofrimento se supera.

Logo eu que acredito no humor escrachado como forma descontraída de se enxergar a vida, logo eu que não tenho pudor em admitir que me permito algumas horas de televisão humorística despolitizada e sem senso crítico pelo menos uma vez por semana, tenho a sensatez de saber que não, meus caros, não se brinca com tudo. Que me perdoem os humoristas e falastrões de redes sociais que se acham no direito de debochar da morte de qualquer pessoa neste mundo como se debocha de uma goleada no futebol. A permissão para vocês agirem como perfeitos imbecis está revogada – ou melhor, ela nem foi concedida.

Afinal, não é por que o mundo achou o máximo você zoar o seu próprio país enquanto este tomava sete gols da Alemanha, que você ganhou o direito de julgar que todos vão enxergar risadas onde não se cabe brincadeira. 

Respeito deveria vir do útero.

9 de junho de 2014

Lobotomy

Em epígrafe, adianto: sou um paulistano de nascença que vive no interior do estado de São Paulo há mais de vinte anos.
 
Já tive o desprazer de viver em uma cidade descomunalmente gigante.

São Paulo. 

Costumava visitar a metrópole a cada quinze dias, no máximo. Minha infância e adolescência foram repletas de visitas aos parquinhos inovadores, expoentes culturais e musicais e uma visão límpida de que “tudo em São Paulo chega antes”.

Como era de se esperar, assim que tive a oportunidade de estudar fora de casa, elegi a capital paulista como destino para minha aventura.

Cheguei em São Paulo numa noite chuvosa, um domingo pós-carnaval que prometia para o restante da semana novas amizades e o início da rotina que me acompanharia no restante da minha vida. A princípio era legal: nos primeiros meses aproveitei de toda a cultura que um ser humano é capaz de consumir em seu tempo útil. Além das aulas com grandes nomes do Direito, daqueles que olhamos para capas de livros e tentamos imaginar o rosto, me aventurava por espaços culturais, exposições de arte, conversas com estranhos nas ruas e tudo mais. Voltei a ser o paulistano que sempre achei que poderia ser e finalmente tinha a certeza de que minha vida continuaria bem por lá.

Até que alguns meses se passaram e a energia que eu possuía foi se esvaindo a cada hora (e foram intermináveis) de baldeação em estações de trem, metrô e paradas de ônibus. A paciência com o mar de carros que inunda as ruas da metrópole já havia se terminado, por não haver mais o que observar enquanto motoqueiros desfilavam pelos corredores com suas buzinas e um ou outro louco tentavam cortar a sua frente no engarrafamento. A rotina de São Paulo, como faz com todo mundo, estava me transformando.

Assustador foi quando percebi que se tornar paulistano é enxergar tudo isso como se fosse algo comum. São Paulo se encontra num nível em que duas horas no trânsito ou cinquenta minutos esmagado num transporte público são coisas normais – e inquestionáveis. As poucas tentativas de fazer a cidade reflorescer têm sido esmagadas pela opinião pública que transforma o stress da rotina metropolitana em rolo compressor para novas ideias.

Recentemente, um jornalista publicou um texto em que critica a atitude de ciclistas - contraditoriamente, em sua opinião - resolveram parar o trânsito dos carros para garantir passagem. Percebe-se no texto que ele não falava de São Paulo, mas no fim do texto faz uma comparação entre as cidades. No fim das contas, ele critica o tipo de gente que batalha dia após dia para viver uma vida que foge da rotina comum. Exemplo que - ele mesmo faz questão de salientar - é completamente aplicável e encontrável na capital paulista. Uma visão em que admissível seria deixar os carros passarem... afinal, os 680 carros emplacados diariamente na terra da garoa merecem vantagem.

Eu me pergunto, hoje, onde está toda aquela verve que São Paulo me mostrou no início de minha morada por lá. Será ela de fato interminável, ou nós é que fazemos questão de terminar com ela?

Na verdade, meu amigo, tudo em São Paulo chega antes mesmo. O problema é que quem mora por lá tem que escolher entre viver essas inovações e não perder a saída da Marginal.

2 de junho de 2014

Lovely blizzards

Vez ou outra, somos hiperbólicos. Modéstias à parte, somos os principais enaltecedores de nossas próprias qualidades – acabamos até por transformar nossa real capacidade em relação as coisas em algo infinitamente maior.

Temos esse vício podre, ainda que incontrolável, de sermos orgulhosos aqueles que “dizem ser o que não são”. É a doença fugaz do inconformismo, que vai além da falta de humildade. Inconformismo sim, por que sempre achamos que podemos mais do que realmente somos capazes.

Vez ou outra me indigno quando vejo alguém errar pontuação e se dizer escritor; ou aquele clássico que compra uma câmera fotográfica e acha que isto já o habilita a dizer que é fotógrafo.

Daí me lembro que possuo um dólmã para cozinhar em casa.

No fundo, somos todos vítimas da ironia.

Que seja em segredo, pelo menos.

24 de abril de 2014

Dirty patterns

Se tem algo que aprendi passando incontáveis horas com uma câmera fotográfica apertada contra meu rosto foi a aprender como usar todas as limitações que estão diante de mim para encontrar o melhor ângulo e cravar um registro eterno. Além disso, também aprendi que este ângulo perfeito nunca é único: para cada fotografia feita, infinitos outros ângulos perfeitos também existem... só não eram perfeitos para mim.

Daí eu junto esta história toda com o que aprendi mais formalmente, sentado na cadeira da universidade e colégios pelos quais passei a vida inteira: abranger conceitos. Buscar algo concreto e viajar em cima daquilo, uma espécie de vivência prática do que os mais acadêmicos chamariam de aplicação lato sensu de um conceito.

A cada passo que damos escolhemos nosso ângulo perfeito. Enxergamos cada imagem que aparece diante de nossos olhos da maneira que achamos que se encaixa mais em todo o contexto de uma vida, momento ou história pessoal. Pinçamos as situações com as quais topamos diariamente e damos involuntariamente uma interpretação a elas exclusivamente pessoal. Perfeito para nós, como o ângulo da fotografia que busco tirar com esmero. 

Às vezes, porém, isso tudo sai em discordância com a forma de enxergar do pessoal que se encontra em nosso redor. Interpretar situações de maneira diferente acarreta atitudes que agradam a um mas desagradam aos outros. O maior problema é quando alguém se sente alheio a este mundo e começa a interpretar tudo sempre de maneira diferente dos outros. Agradar se torna um martírio.

Sabe aquele papel borrado em preto que parece mais um respingo infinito de tinta duplicado e espelhado? Aquilo se chama inkblot test, e foi desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach como uma forma de análise pessoal de cada indivíduo. O teste nada mais é que uma saraivada de borrões impressos em folhas de papéis, tomando diferentes formas, submetidos à visão individual e intepretação de cada pessoa analisada. Baseado nestas informações, o psiquiatra retirava valiosas características da personalidade da pessoa.

A vida nada mais é que um constante inkblot test que surge em loop infinito diante de nossos olhos. As interpretações que damos – e as atitudes que elas trazem – no entanto, não devem ser padronizadas como espectro de referência para o caráter de cada pessoa. Acima de tudo, a credibilidade de um indivíduo não deve ser baseada em como ele interpreta e age de acordo com cada situação, mas sim no que ele é capaz de fazer, de forma altruísta, para as pessoas que permeiam suas relações pessoais. Sua capacidade, porém, só ele sabe. 

Aos outros só lhes resta confiar.

14 de janeiro de 2014

Turn the lights on

“Without going out of my door
I can know all things on earth
Without looking out of my window
I can know the ways of heaven
The farther one travels
The less one knows
The less one really knows”
(The Beatles)

Las Vegas apareceu pela primeira vez para mim numa noite levemente fria de fevereiro, após horas num avião antigo de painéis de madeira – observei a cabine de rabo de olho ao entrar pela porta fria e escancarada e receber as boas vindas do piloto – e confesso que a princípio não me impressionei. Visualmente, não mais diferente que qualquer discoteca cheia de luzes, pelo menos de mim não arrancou suspiros.

Os dias foram passando e fui acostumando com a enxurrada de Neón e luminosos que se acendiam diante de meus olhos a cada pôr-do-sol. O que fui percebendo a cada um que acendia, no entanto, configurava uma sensação muito mais peculiar que mero assombro. O que encontrava a cada passo dado pela Strip – principal rua de Las Vegas – era o sentimento de que ali se pode ser quem você quiser. Diferente do chavão dos filmes, o que acontece em Vegas não fica em Vegas. Mas apesar disso, por cada canto daquela cidade não há julgamentos. O senhor careca de bigodes que saía vestido de sunga branca, asinhas de anjo e varinha de condão, dançando freneticamente ao som de Queen, recebia o mesmo tratamento que o grupo de jovens comemorando a despedida de solteiro de seu colega, todos de smoking, ou até o mesmo que eu, vestido com meu discreto moletom vermelho e bermuda xadrez para aguentar a brisa gelada que batia na cidade.

Não é Las Vegas. É aquele lugar que todo mundo busca: um lugar que é possível sorrir ou chorar sem que o outro fique te encarando invejando sua tristeza ou felicidade. Um lugar em que se é respeitado pela sua vontade, sem qualquer questionamento. Um lugar onde a sua necessidade é compreendida como seu melhor e maior bem – e todos farão de tudo para não subestimá-la ou tirá-la de você.

Um escape para o dia-a-dia que exige toda a complexidade das relações humanas, sendo o ser humano político que é, como já diria Aristóteles. Só que o curioso é que nem precisa viajar tanto para encontrar esse escape. Ir para Las Vegas foi algo que me fez perceber o valor deste sentimento. O que não é necessário são as horas de avião que se enfrenta para chegar lá. O avançado do tempo nos faz perceber que a melhor viagem não é aquela feita para longínquos cantos do mundo, e sim aquela feita pro interior. Não aquele de São Paulo ou Minas Gerais, mas o nosso interior. Fugir da rotina, dizem os aventureiros, mas de forma diferente.

É buscando este tipo de vida estranha que levantamos todos os dias de nossas camas e prometemos sair dessa tal e mal falada rotina. O frustrante é deitar a cabeça no travesseiro após tudo o que passou e nos dar conta de que não conseguimos fazer isso. O trabalho continuou o mesmo, os problemas seguiram torturando e não fomos capazes de aliviar as cobranças que as pessoas a nosso redor inocentemente cravam sobre nós. O que falta na verdade é encontrar aquela Las Vegas que existe dentro de nós: sem passagem, sem avião ou letreiros luminosos, cada ser humano é capaz de encontrar dentro de si aquele momento em que não será julgado por si e nem terá dedos apontados para a própria cara. Buscar a própria luz, ou The Inner Light, como disse George Harrison em sua paráfrase do livro do Tao Te Ching, que aqui me insipira numa analogia boba com as luzes frenéticas de Las Vegas. Sem sair da porta de casa, já diria Georgie, é possível conhecer todas as coisas da terra.

10 de janeiro de 2014

Noche en Plaza Mayor

Engraçada a habilidade das pessoas indiferentes. Aquela cara de cinismo, olhar desprotegido e uma tranquilidade envernizada que pode ou não esconder uma aflição que corrói por dentro. No fim das contas, não importa, porém.

Abrir o jornal é um exercício ótimo para encontrar centenas desses espécimes curiosos. Políticos impiedosos que ignoram o caos a seu redor e mascaram suas atitudes em sorrisos amarelos, olhares convincentes e propagandas bem editadas. Um verdadeiro show de horrores social, quadro este que pintamos de quatro em quatro anos e fazemos questão de esquecer no dia seguinte de cada eleição. A cerveja finalmente é liberada!

Não só nas páginas políticas é que se expõem essas criaturas. Encontramos várias diariamente no safári urbano que percorremos assim que saímos de casa. Tá cheio de gente por aí que não dá a mínima pro que o outro está pensando ou sentindo. Na cara dura mesmo. Vendedores que esnobam clientes indispostos a pagar quatrocentos reais num pedaço de pano, empresários que não se abalam ao ver um (ex-)cliente prejudicado, aquela pessoa que não entende o valor de um "me liga amanhã?" ou o pobre diabo que olha pro mendigo e finge que não é com ele. "É tudo farinha do mesmo saco", já diria minha saudosa avó, entre um tempero e outro de sua saborosa feijoada.

O cúmulo é quando um indivíduo consegue ser indiferente em relação a sua própria indiferença. Mas que falta de personalidade! Ignorar o que errou no passado e continuar olhando na cara da pessoa sem ao menos tentar pedir uma desculpa - e esperar ser desculpado, que fique claro que só falar não resolve - é uma habilidade primeva. Um paradoxo ambulante. 

Daí vem aquele clássico momento em que uma pessoa cobra a outra dela nem se preocupar se está tudo bem. O indiferente responde sempre cínico, com uma perguntinha curta sobre como a pessoa está - ele nem quer saber a resposta, provavelmente. Daí pra um virar as costas e deixar o outro falando sozinho são dois palitos.

"Mas não era só perguntar?"

28 de julho de 2013

Blank pages

Inspiração é uma coisa engraçada.

Eu tive um professor que dizia que vidas estáveis não produziam boas estórias. Ou seja, a linha do tempo do bom escritor deveria surgir ser do formato de um, digamos, medidor cardíaco.

A quele que sabe da vida é aquele que já passou por ela, já dizia Vinícius. E, que me desculpe quem é bon vivant, mas vida de sofá não chega nem a ser existência. E não existe padrão que defina a vida verdadeira; aliás, seu caráter único é sua essência. A vida que exala conteúdo é a vivida unicamente por seu protagonista principal. Cheia de amores, dores, tristezas, medos. Alegrias também fazem parte, embora sejam elas mais raras. 

Basta querer: o ímpeto de vontade faz com que você se levante da cadeira, conheça pessoas, sofra com elas e esteja de fato em lugares que terão no mínimo um impacto em seu futuro. Assim se saberá que as expectativas são diferentes de esperanças, que bondade demais até o santo desconfia, que o caminho mais difícil é sempre mais recompensador, que água mole em pedra dura tanto bate até que fura... todas aquelas frases que sua vó costumava te dizer na cabeceira da cama ou na beirada do fogão enquanto você tentava beliscar algum quitute.

Ela viveu e aprendeu. Na vida dela não havia internet, textos vinham de livros, filmes eram obras de artes e traziam mensagens profundas. Estamos afundando cada vez mais as gerações que vão surgindo com o subterfúgio de um conforto para suas vidas e para seus netos. Entre um gole de cerveja e outro, devíamos discutir mais a respeito do que estamos fazendo com nosso tão supervalorizado cotidiano. Não é governo, não é dinheiro, não é futebol, não é porcaria nenhuma. 

É o que produzimos todos os dias. É aquela vida morna que não produz boas estórias. E sermos os escritores da própria vida tem feito com que nossas próprias estórias sejam cada vez mais mal escritas, com pontuação incorreta e erros ortográficos. 

Ah, se fôssemos todos Hemingways...